Vovó dizia que não queria se casar. Eu nunca entendi muito
bem essa história – confesso que nunca tive talento para questionar, minha
curiosidade sempre foi mais investigativa que questionadora, e investigações
sempre são dificultadas pela minha preguiça – mas ela que, quando se deu conta,
estava casada.
Minha avó teve sete filhos. Separou-se do meu avô bem antes
de eu nascer, e contava como foi difícil criar minha mãe e os seis irmãos. Ela falava
pouco, mas quando o assunto era casamento, não poupava palavras. Eu sempre a
ouvia contar como seu casamento havia sido terrível, como meu a avô a havia
deixado sozinha com toda a responsabilidade da casa e dos filhos, e por que eu
não deveria me casar.
Um a um, minha avó enumerava os problemas de seu casamento: “ele
não me ajudava com as despesas da casa”, “não ajudava a educar as crianças”, “era
muito violento com os filhos”, “eu tinha que fazer tudo sozinha”. Não importava
quantos problemas ela nos contasse, eles sempre eram de ordem material. Eu nunca
a ouvi dizer que sentia falta de carinho, companhia e atenção. Do ponto de
vista dela, casamento era uma união para as pessoas dividirem problemas.
Minha mãe também tem umas “considerações” nada simpáticas sobre
o casamento. Ela e meu pai ainda vivem juntos – sobrevivem, eu diria – mas eu
me lembro de ter presenciado muitos momentos românticos durante minha infância.
Então eu sei que se casaram por escolha e, a seu modo, foram felizes. Mas quando
ela fala sobre ele, sempre vejo os traços da minha avó. Minha mãe sempre
reclama que meu pai não a leva para sair, não troca o botijão de gás quando,
não conserta o vazamento da torneira, não dá um jeito nas infiltrações das
paredes... e sempre completa com: “Não casem, meninas! Não sei porque eu casei.”
Apesar de tudo, fui uma adolescente muito romântica e
sonhadora. Achava que quando encontrasse o homem da minha vida uma luz branca
nos iluminaria como nos filmes e seríamos felizes para sempre, acordando
abraçadinhos de manhã, e planejando juntos cada detalhe do dia. Ou seja, nada
do que vovó dizia funcionava comigo. Mas os anos foram passando e me
transformei completamente. Ainda sou romântica, mas meu romantismo é puramente
reflexo do que recebo. Não sonho mais com uma casinha branca, cheia de flores
na janela e cheirinho de café pela manhã. Crio expectativas todos os dias, mas
quando anoitece eu penso na probabilidade de que elas se tornem realidade e
qualquer avaliação abaixo de 80% me faz desistir. Não é pedir muito. É saber
que posso escolher ser feliz.
Passei tantos anos tentando não ser como minha mãe e minha
avó, que adotei um padrão de qualidade que tento seguir sempre. Nesse padrão, o
cara não tem que atender minhas expectativas, mas tem que demonstrar o quanto
está disposto a compartilhar comigo. Compartilhar qualquer coisa que vá além –
muito além – do que mamãe e vovó consideravam que seria necessário num
casamento. Eu me viro sozinha, me cuido sozinha, vou ao supermercado, conserto
vazamentos, instalo chuveiros, monto móveis, troco o botijão de gás, pago
minhas contas. Por isso, não procuro alguém complete, e não apenas satisfaça minhas necessidades
cotidianas.
Quero alguém que me acompanhe, mas que também me leve pra
sair.
Quero um cara que conserte a gaveta quebrada do armário, mas
que ache um máximo chegar em casa e ver que consegui fazer isso sozinha porque
vi primeiro.
Espero encontrar alguém que entenda que eu também trabalhei
o dia todo e vou chegar em casa com fome, mas que valorize a forma como eu
consigo dar conta de várias coisas ao mesmo tempo e também tente fazer várias
coisas ao mesmo tempo.
Quero alguém que me convença a ficar na cama até tarde, no
sábado, curtindo uma preguiça boa, mas que compartilhe comigo aquela faxina que
não pode ficar para depois.
Quero alguém que saiba desorganizar minha vida, e organizar
tudo de novo, só pra me mostrar que tudo pode ser lindo mesmo não sendo do
jeito que eu faço.
Procuro um homem que me faça sentir que sou mulher, e não
uma doméstica atarefada ou uma princesinha delicada.
Quero alguém que some, não que divida comigo.
E se um dia eu tiver que dizer aos meus filhos porque me
casei, que seja porque encontrei esse alguém.