segunda-feira, 14 de abril de 2014

Descobertas




Ela nunca gostou de dormir de conchinha. Mas descobriu a linha tênue que separa o cuidado do sufocamento, e agora ela ama.

Sempre achou exageradas as fotos e declarações de casais em redes sociais, como se fossem dependentes um do outro para tudo. E ela odeia dependência. Mas descobriu que, na verdade, acha fofo. Descobriu que, no fundo, sentia certa inveja desses casais que exibiam uma felicidade que ela tanto queria pra si.

Ela dizia que não queria se casar. Mas outro dia parou pra pensar que já quis, e muito. Mas abafou o desejo por julgar que nunca encontraria alguém que quisesse também. Ela não gosta de sofrer, e achou melhor cortar as expectativas.

Ela ama declarações, frases encaixadinhas na hora exata, palavras perfeitas ao final de um silêncio de olhos nos olhos. Mas nem sabia que isso ainda existia.

Ela descobriu que não dói nada dividir o espacinho no banheiro com outra toalha ou escova de dentes. Foi além, abriu caminho, e descobriu que certas divisões multiplicam.

E de tanto descobrir, não vai parar mais.

Vai aprender a dividir o cobertor, o travesseiro, a vida, se preciso for.


Vai abrir espaços nas gavetas que trancou (as do armário, e do coração), porque sabe que, no fundo, nunca desistiu do amor. Só está esperando o cara certo. 

quarta-feira, 26 de março de 2014

Por que as pessoas se casam?

Vovó dizia que não queria se casar. Eu nunca entendi muito bem essa história – confesso que nunca tive talento para questionar, minha curiosidade sempre foi mais investigativa que questionadora, e investigações sempre são dificultadas pela minha preguiça – mas ela que, quando se deu conta, estava casada.

Minha avó teve sete filhos. Separou-se do meu avô bem antes de eu nascer, e contava como foi difícil criar minha mãe e os seis irmãos. Ela falava pouco, mas quando o assunto era casamento, não poupava palavras. Eu sempre a ouvia contar como seu casamento havia sido terrível, como meu a avô a havia deixado sozinha com toda a responsabilidade da casa e dos filhos, e por que eu não deveria me casar.

Um a um, minha avó enumerava os problemas de seu casamento: “ele não me ajudava com as despesas da casa”, “não ajudava a educar as crianças”, “era muito violento com os filhos”, “eu tinha que fazer tudo sozinha”. Não importava quantos problemas ela nos contasse, eles sempre eram de ordem material. Eu nunca a ouvi dizer que sentia falta de carinho, companhia e atenção. Do ponto de vista dela, casamento era uma união para as pessoas dividirem problemas.

Minha mãe também tem umas “considerações” nada simpáticas sobre o casamento. Ela e meu pai ainda vivem juntos – sobrevivem, eu diria – mas eu me lembro de ter presenciado muitos momentos românticos durante minha infância. Então eu sei que se casaram por escolha e, a seu modo, foram felizes. Mas quando ela fala sobre ele, sempre vejo os traços da minha avó. Minha mãe sempre reclama que meu pai não a leva para sair, não troca o botijão de gás quando, não conserta o vazamento da torneira, não dá um jeito nas infiltrações das paredes... e sempre completa com: “Não casem, meninas! Não sei porque eu casei.”

Apesar de tudo, fui uma adolescente muito romântica e sonhadora. Achava que quando encontrasse o homem da minha vida uma luz branca nos iluminaria como nos filmes e seríamos felizes para sempre, acordando abraçadinhos de manhã, e planejando juntos cada detalhe do dia. Ou seja, nada do que vovó dizia funcionava comigo. Mas os anos foram passando e me transformei completamente. Ainda sou romântica, mas meu romantismo é puramente reflexo do que recebo. Não sonho mais com uma casinha branca, cheia de flores na janela e cheirinho de café pela manhã. Crio expectativas todos os dias, mas quando anoitece eu penso na probabilidade de que elas se tornem realidade e qualquer avaliação abaixo de 80% me faz desistir. Não é pedir muito. É saber que posso escolher ser feliz.

Passei tantos anos tentando não ser como minha mãe e minha avó, que adotei um padrão de qualidade que tento seguir sempre. Nesse padrão, o cara não tem que atender minhas expectativas, mas tem que demonstrar o quanto está disposto a compartilhar comigo. Compartilhar qualquer coisa que vá além – muito além – do que mamãe e vovó consideravam que seria necessário num casamento. Eu me viro sozinha, me cuido sozinha, vou ao supermercado, conserto vazamentos, instalo chuveiros, monto móveis, troco o botijão de gás, pago minhas contas. Por isso, não procuro alguém complete, e não apenas satisfaça minhas necessidades cotidianas.

Quero alguém que me acompanhe, mas que também me leve pra sair.

Quero um cara que conserte a gaveta quebrada do armário, mas que ache um máximo chegar em casa e ver que consegui fazer isso sozinha porque vi primeiro.

Espero encontrar alguém que entenda que eu também trabalhei o dia todo e vou chegar em casa com fome, mas que valorize a forma como eu consigo dar conta de várias coisas ao mesmo tempo e também tente fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Quero alguém que me convença a ficar na cama até tarde, no sábado, curtindo uma preguiça boa, mas que compartilhe comigo aquela faxina que não pode ficar para depois.

Quero alguém que saiba desorganizar minha vida, e organizar tudo de novo, só pra me mostrar que tudo pode ser lindo mesmo não sendo do jeito que eu faço.

Procuro um homem que me faça sentir que sou mulher, e não uma doméstica atarefada ou uma princesinha delicada.

Quero alguém que some, não que divida comigo.


E se um dia eu tiver que dizer aos meus filhos porque me casei, que seja porque encontrei esse alguém.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Quando você chegar

Venha devagar. Sou sensível.  Me assusto com paixões instantâneas. Não acredito na firmeza daquilo que não tem alicerces.

Me deixe saber que está chegando. Ou que há interesse em chegar.  Não costumo esperar muito por algo que não sei se vem.

Mantenha os pés no chão.  Você vai precisar,  para me puxar de volta.

Respeite meu espaço.  Gosto de dividir minhas coisas,  mas odeio a sensação de vê-las tiradas à força de mim.

Não seja disponível,  apenas acessível.  Me diga não,  quando precisar.
                                                           
Seja claro. Me diga o que sente, ou vou achar que você não sente. E não faça promessas que não tenha a intenção de cumprir.

Me deixe saber que você se importa comigo. Me dê a segurança de que não fui esquecida na correria dos seus dias.

Se sentir que te quero por perto, não me espere chamar.  Venha. Entre. Demonstre que mal consegue me esperar dar a volta na chave para um beijo de tirar o fôlego.  Fique tranquilo, se eu não quiser você vai saber.

Venha.  Simplesmente venha. Fique, se eu pedir (até porque só vou pedir se eu realmente quiser que você fique). Abuse dos momentos em que me encontrar desarmada.  E se imponha para baixar minha guarda, quando achar necessário.

Jogue seus sonhos na mesa. Se eu gostar,  vou juntar os pedaços e te ajudar a realizá-los.

Quando você chegar... Apenas chegue.
Faça acontecer.  Só assim você saberá se quero fazer valer a pena. E - acredite - se eu quiser, garanto que vai valer muito.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sim, eu tenho preconceito

Eu sempre me orgulhei do fato de me considerar uma pessoa totalmente livre de preconceitos. Nunca entendi porque raios as pessoas tem que apresentar pessoas usando nome e pedigree, tipo: "aquele é fulano, ele trabalha comigo e é gay". Ou "tenho uma amiga negra, que é muito linda". 

De verdade, não enxergo diferença nenhuma, e acho uma tremenda de uma baboseira quando as pessoas usam essas denominações para mostrar como são descoladas e convivem com todas as diferenças.
Como se negros, gays, ateus, pobres não fossem gente como a gente, cagando pelo mesmo lugar e destinados ao mesmo buraco sete palmos abaixo da terra quando todo o espetáculo desse circo que chamamos de vida chega ao fim.

Mas tenho andado tão impaciente ultimamente que descobri que não sou tão livre de preconceitos assim. Pelo contrário, descobri que tenho um preconceito enorme com gente burra.
E antes que você pense que não gosto de gente que não teve oportunidade de estudar na vida, que mal sabe ler ou escrever, ou que não tem condições de acesso à educação, saiba que não é desse tipo de gente que estou falando. 

Gente burra é outra coisa.

É gente que prefere passar seu tempo lendo notícia trágica no jornal do dia, ou fofoca nas capas de revista das bancas, que decora todas essas histórias de vida alheia para contar por aí e não se dá nem ao trabalho de prestar atenção no que leu para, no mínimo, saber escrever corretamente.

Gente burra é gente que passa o dia inteiro conectado, vasculhando vidas em redes sociais, avaliando roupas da moda e compartilhando tudo o que encontra por aí, sem ao menos pensar em usar o Google para verificar se as palavras que colocou no comentário estão escritas corretamente.

É gente que convive com tudo quanto é tipo de gente, tem acesso a diferentes formas de se vestir ou se comportar, mas não lhe ocorre a mínima curiosidade de saber o que fica bem e o que não fica para determinada ocasião. E não estou falando de observar e seguir a risca o tal do dress code - até porque ele não ensina o que usar numa mesa de boteco no happy hour no fim da tarde -, mas de demonstrar uma preocupação, mesmo que mínima, com o que o lugar exige. Ou com quem está junto. E olha que eu não estou falando de moda, porque nem entendo nada disso e confesso que até erro muitas vezes. Mas tento sempre demonstrar que me preocupo em ser uma companhia agradável e, sim, a roupa demonstra grande parte disso. Ou alguém aí acha que é agradável ir ao teatro com a camisa do time do coração?

Gente burra é gente que passa dias, meses, anos reclamando da sua profissão, do chefe, do mercado, do salário, mas não levanta o traseiro do lugar para procurar outro emprego.

É gente que acha normal falar alto ao telefone, mascar chiclete de boca aberta, gritar na janela pro outro vizinho ouvir, soltar pum na frente das visitas, buzinar dentro do condomínio (seja a hora que for), arrastar os móveis a noite sem se importar com o vizinho do apartamento de baixo, comer desenfreadamente se importando apenas com a própria fome e não com as outras pessoas.

Burrice é não se importar. É não se preocupar com o outro. É achar que todo mundo tem que te engolir, e pronto.
Gente que não se importa com nada, não presta atenção em nada. E quem não presta atenção não aprende.
Gente que acha que tem ser o que é em qualquer lugar é uma das coisas mais deprimentes que existe. Você pode ser você mesmo e, mesmo assim, ter o mínimo cuidado em se adaptar aos lugares e situações.
Basta se importar. Basta se preocupar em ser uma companhia agradável, uma visita que as pessoas gostem de receber, alguém com quem as pessoas gostem de sair.
Observe, veja como as pessoas agem, ajuste o tom. 
Seja feliz como você sempre foi, mas sem precisar falar alto se perceber que as pessoas ao seu redor não falam.
Sinta-se a vontade com as roupas que gosta de usar. Isso quer dizer que você pode cuidar para não se sentir o patinho feio no meio de todo mundo.
Escreva coisas que as pessoas gostem de ler - e entendam.

Seja lembrado por acertar. Ou, pelo menos, por tentar acertar.



quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Intimidade é de dois

Afinidade é aquilo que te faz sentir vontade de criar, desenvolver os outros sentimentos.

Intimidade é o que te torna capaz de entender, aceitar e melhorar sempre aquilo que você sente.

Afinidade gera desejo. O desejo te faz ir em frente e fazer aquilo que te deu vontade na hora. Mas é a intimidade que vai te dar segurança para olhar nos olhos depois, sorrir, estar seguro, e querer de novo.

Afinidade te faz sentir saudade, te faz querer parar o mundo, largar tudo, e sair correndo para ficar com a pessoa. Mas é a intimidade que te dá vontade de continuar lá, que te faz ter certeza de que não era só curiosidade, ciúmes, desconfiança... de que era vontade de estar junto mesmo.

Afinidade te aproxima da pessoa. Intimidade te faz ter vontade de fazer planos com ela, de pensar junto, de transformar desejos individuais em um só.

Afinidade te ajuda a lembrar de nomes de pessoas que poderiam estar com você em determinado momento. Intimidade te faz ficar repetindo mentalmente o nome de uma pessoa e conseguir criar formas de encaixá-la em todos os momentos da sua vida.


Intimidade é recíproca, não tem como errar. Ou é pros dois, ou não tem.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Tudo novo, de novo!

Até aquele momento, a vontade era voltar no tempo, pedir à minha mãe que me colocasse de volta no berço, ou ao meu pai que me pegasse pela mão e me ensinasse novamente os primeiros passos. Era tudo tão bonito e simples naquela época, até o tempo passar e ir destruindo tudo.

É impressionante como nos deixamos machucar tanto, a ponto de estar num lugar lindo e colorido, mas com o coração tão negro quanto nuvens carregadas em dia de tempestade. E até chegar ali, era assim que eu me sentia.

O carro cortando a estrada, reduzindo em cada curva ou acelerando ao máximo nas retas, só me fazia deixar pra trás essa coisa escura que escorre da dor e do medo. Eu sentia o cheiro da vida se aproximando, e os carros de trás atropelavam as pedras que eu ia tirando de dentro da alma e jogando pra fora da janela.

O tempo passava devagar demais para quem só queria chegar e enterrar na areia toda a podridão que tinha dentro do peito. Enfim, cheguei. Encontrei a praia mais distante, com o mar mais profundo e joguei tudo lá. 

Fiquei olhando atentamente, até ter certeza de que aquele barril de pólvora havia afundado e nunca mais poderia explodir e machucar ninguém, nem a mim.

A última bolha sumiu. E os fogos acenderam no céu.

Feliz Ano Novo!